terça-feira, 19 de junho de 2012

Inauguração Exposição LUIZ MORGADINHO







Alberto d'Assumpção e Luiz Morgadinho

Luiz Morgadinho com Vitor Zapa

Joana d'Assumpção a fotografar a exposição

 Carlos Almeida e Noémia Travassos

 Luiz Morgadinho a assinar um catálogo da exposição




Agostinho Costa entrega a obra do sorteio a Fernando Morais
oferecida por Luiz Morgadinho

terça-feira, 12 de junho de 2012

Cartaz da Exposição


LUIZ MORGADINHO – A ONTOGÉNESE DO QUOTIDIANO 

“Viver e deixar viver são decisões da imaginação. A existência está algures noutro lado. Tudo nos leva a crer que há um determinado ponto no campo espiritual em que a vida e a morte, a imaginação e a realidade, o comunicável e o incomunicável deixam de encarar-se como contradições.”  
(André Breton, “Le Surréalisme et la peinture”)

Muito se tem escrito, ao longo de quase um século de existência, sobre a tremenda revolução cultural que foi o surrealismo. O seu traço essencial – a tensão exasperada e frenética – percorre todo o contexto estético e cultural estilhaçando todas as formas de expressão conhecidas e obrigando-nos a uma mudança radical do ponto de vista. E fá-lo de uma forma assustadoramente provocante. Não lhe interessando em princípio a produção de qualquer arte, é a revolução absoluta, permanente o seu objetivo – o caos. Aprofundando o “mistério da vida”, herança, segundo Baudelaire, de Vitor Hugo e do Romantismo, os surrealistas vão mais longe ao buscar uma obscuridade reveladora de um outro universo. O seu objetivo é desnaturalizar o mundo, torna-lo estranho, para que, contraditoriamente, se possa tornar novamente conhecido. Estabelece-se uma correspondência entre as desordens preparadas do espírito e as metamorfoses e revelações do mundo. O mundo vem ao encontro do mistério, cede ao seu apelo. “O próprio mundo real transforma as suas estruturas, quebra as barreiras entre o subjetivo e o objetivo, abole todas as suas antinomias, realiza essa total revolução a que aspira uma alma de fogo, ela mesma fogo universal”, como afirma Jean Cassou. Não estranha, pois, que vejamos o surrealismo deitar mão da poesia, das descobertas freudianas, das revelações hermetistas e dos místicos, dos ritos primitivos e dos mitos – “o que de mais próximo temos para conceptualizar o que não é conceptualizável – o infinito”, no dizer de Deepak Chopra.
É na pureza desta raiz profunda que entronca a pintura de Luiz Morgadinho. Uma pintura que nos fascina desde o primeiro olhar pela limpidez de conceitos e pela fidelidade absoluta ao ideário de Breton. Expliquemo-nos:
Para o pintor comum, o objeto a pintar torna-se objeto de pintura, ou seja, perde a sua qualidade intrínseca para se transformar num composto de linhas, cores, proporções, sombras e luzes – e isto concentra todas as intenções do pintor. Mas o pintor surrealista não tem que chegar a esta instância. Para ele, o objeto continua a ser objeto do mundo exterior. E é este mundo exterior que o pintor surrealista ataca, para nele provocar a desordem e o caos, fazendo daí surgir mistério e surpresa, no dizer do citado Jean Cassou. A sua operação consiste em reunir essa imagética do quotidiano de maneira desconcertante, desalojando as imagens exteriores do lugar que habitualmente ocupam. Com isto constrói uma imagem desarmónica surpreendente onde o mundo exterior já não se reconhece, imagem, metáfora ou como quisermos designar feita do choque não de sinais plásticos mas de imagens extraídas em estado bruto ao seu ambiente natural. Com este jogo fantástico, esquiva-se o pintor de enfrentar a realidade, destruindo-a ao invés de a representar. Como afirmou Lhote: “pode ser tão agradável lutar com a realidade como desprezá-la, usar de astúcias infinitas para se furtar aos seus golpes como fugir dela”…
É neste paradoxo essencial que assenta a pintura de Luiz Morgadinho. Poucos terão interiorizado a mensagem de Breton como este artista. A estranha lucidez do seu olhar crítico e satírico, que numa primeira análise parece perpassado de intenção política – desimagine-se o observador e o próprio artista se assim o pensa – resulta da mais profunda coerência do absurdo. A este pintor se poderiam aplicar as palavras de Alfred Kubin: “Pertenço ao número daqueles bichos estranhos que acreditam que sonhamos permanentemente e não só a dormir. O que acontece é que o sonho, quando se está acordado, é na maior parte das vezes ofuscado pelo deslumbrante clarão do entendimento.”
Luiz Morgadinho parece gritar, com a sua obra, o desconcertante slogan surrealista: “Há que acabar com a beleza, com a honrada arte, último resultado da lógica! Ao diabo com a lógica! A arte é uma estupidez!...”
Bem longe de certos pseudo-surrealismos soft contemporâneos, a obra de Luiz Morgadinho impõe-se pela coerência estética e filosófica. Como último reduto da verdade, as suas pinturas congregam uma visão assustadoramente real, nesta ontogénese do quotidiano. Não parecerá contraditório afirmá-lo? Talvez não: nunca como hoje a nossa sociedade apresentou um grau de absurdo tão evidente. Senão vejamos: é do “Segundo Manifesto do Surrealismo”, de Breton, publicado em 1930, que retiramos o seguinte texto: “O ato surrealista mais simples consiste em sair para a rua com um revolver e disparar ao acaso sobre a multidão…” Não nos parece isto demasiado familiar nos tempos que correm?...
… É desta lucidez que falamos, quando falamos da pintura de Luiz Morgadinho!...
Findas as palavras, a obra permanece, irredutível, lúcida, bela, provocante…
…Deleitemo-nos!...
Guimarães, Junho de 2012
Alberto D’Assumpção

16. O Sono do Abandonado

Acrílico s/tela 
54x73 cm
2008