“é
tempo de libertar as imagens e as palavras das minas do sonho a que descemos
mineiros sonâmbulos da imaginação”
(Tempo
de Fantasmas, A. O’Neill, 1951)
Luiz Morgadinho pinta o que denuncia, o
que quer combater. Pinta o que ele não é, esclarecendo suficientemente a
verdadeira identidade do que quer combater. Recorro a uma imagem arrabalesca
para o definir: “ tal como existem
arquitectos edificadores de cidades, existem também arcanjos edificadores de
bosques e outros lugares poéticos ”. Morgadinho é um desses arcanjos, um poeta da imagem que se aproxima
subtilmente da crítica social e política, questionando a pertinência e a
capacidade simbólica da vida tradicional, desfigurando profundamente os seus
clichés e as suas convenções. É um criador que “imprime” na sua obra um diálogo
com uma estética de descontinuidades e de rupturas recorrendo aos artífices das
técnicas plásticas em que é mestre. O princípio supremo da sua intenção
artística é o choque dos receptores ,
leitores da sua imagem plástica. Ele visa a subversão perante as formas
instituidas, lutando contra a tradição e contra o conformismo da cultura
burguesa. Com efeito, utiliza o Humor
Negro - “disciplina” recorrente e tão querida entre os surrealistas - como
a sua principal ferramenta e como revolta superior do espírito, ultrapassando a
intencionalidade satírica e moralizadora. Um humor sinónimo de denúncia,
revolta e libertação. Mas refiro-me também aqui a uma subversão particular: a
do sistema artístico em que a arte é vista uma mercadoria.
Entendo que em Morgadinho, a pintura é
uma missão social. Sem pretensão alguma uma justificação de encontros, de
formas e de imagens, entendo que o seu homónimo na literatura é Mário Henrique
Leiria. Embora distanciados em cerca de quarenta anos com uma imagética verbal
muito actual (aliás ad eternum), as
raízes pictóricas de Morgadinho parecem encontrar-se nas mesmas origens e
convertem em novidade as imagens leirinianas, ou seja, um renovar órfico das
tradições, devorando e renascendo em si mesmas, como constantes limitações
ilimitadas do Homem.
miguel
de carvalho
cabo mondego, 24 de junho de 2011
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