quinta-feira, 12 de abril de 2012

Luz incendiada


é tempo de libertar as imagens e as palavras das minas do sonho a que descemos mineiros sonâmbulos da imaginação
(Tempo de Fantasmas, A. O’Neill, 1951)


Luiz Morgadinho pinta o que denuncia, o que quer combater. Pinta o que ele não é, esclarecendo suficientemente a verdadeira identidade do que quer combater. Recorro a uma imagem arrabalesca para o definir: “ tal como existem arquitectos edificadores de cidades, existem também arcanjos edificadores de bosques e outros lugares poéticos ”. Morgadinho é um desses arcanjos, um poeta da imagem que se aproxima subtilmente da crítica social e política, questionando a pertinência e a capacidade simbólica da vida tradicional, desfigurando profundamente os seus clichés e as suas convenções. É um criador que “imprime” na sua obra um diálogo com uma estética de descontinuidades e de rupturas recorrendo aos artífices das técnicas plásticas em que é mestre. O princípio supremo da sua intenção artística é o choque dos receptores , leitores da sua imagem plástica. Ele visa a subversão perante as formas instituidas, lutando contra a tradição e contra o conformismo da cultura burguesa. Com efeito, utiliza o Humor Negro - “disciplina” recorrente e tão querida entre os surrealistas - como a sua principal ferramenta e como revolta superior do espírito, ultrapassando a intencionalidade satírica e moralizadora. Um humor sinónimo de denúncia, revolta e libertação. Mas refiro-me também aqui a uma subversão particular: a do sistema artístico em que a arte é vista uma mercadoria.

Entendo que em Morgadinho, a pintura é uma missão social. Sem pretensão alguma uma justificação de encontros, de formas e de imagens, entendo que o seu homónimo na literatura é Mário Henrique Leiria. Embora distanciados em cerca de quarenta anos com uma imagética verbal muito actual (aliás ad eternum), as raízes pictóricas de Morgadinho parecem encontrar-se nas mesmas origens e convertem em novidade as imagens leirinianas, ou seja, um renovar órfico das tradições, devorando e renascendo em si mesmas, como constantes limitações ilimitadas do Homem.


miguel de carvalho
cabo mondego, 24 de junho de 2011

Sem comentários:

Enviar um comentário